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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Trocando de prateleira ...




 
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas...
Que já tem a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares
 
É tempo de travessia
E se não ousarmos faze-la
Teremos ficado para sempre
A margem de nós mesmos."
 
Fernando Pessoa
 
 
 
 
 
Nunca gostei de oscilações.
 

Variações, mudanças me deixam insegura e como tenho a tendência de querer "controlar" o que ocorre ao meu redor, sempre  me foi sofrimento a vencer e a aceitar.
 
O hilárío é que depois que a mudança ocorria percebia que havia feito "tempestade num copo d´água" e perdido desnecessárias energias. 
 

Agora, nessa atribulada cadeira de montanha russa que me foi indicada ou por mim mesmo escolhida, começo a perceber que estou de forma intensa passando por fases.

 
Percebo isso quando desejo escrever um post.

 

O blog é uma terapia em grupo gratuita e conjunta. Não há censura, pelo menos imediata.

 

Só exposição e a sensação de verdadeira liberdade de pensamento.

 

Escrever e publicar pode ser pretensão, exorcismo ou simplesmente uma forma de se chegar ao outro, ainda busco identificar se são as três juntas ou uma mescla !?

 

Pensando de maneira genérica sobre o tema Fases/Mudanças, reflito que somos seres em constantes transformações, contudo temos a incrível facilidade de apegarmos as coisas, pessoas, crenças e pensamentos.

 

E para agravar, muitos desses pensamentos e crenças não são nossos, nem provém de nosso interior.


Dessa forma começamos a rezar nessa cartilha alheia.

 
E como custa desentranharmos, velhos hábitos enraizados em nosso ser.
 
 
Alguns estão tão arraigados, que não conseguimos distinguir se são nossos ou de outrem. 

 
Ao longo dos anos nos acomodamos ... seja por desconhecimento do “processo”, medo ou por preguiça.

 
Sem dúvida é sempre mais fácil escolher o que já está pronto, principalmente se não precisarmos nos criar novamente.

 
Ao escolhermos “ajustar” ao mundo para sobrevivermos por mais tempo, devemos ter o cuidado de nos adequarmos sem permitir que nossa essência seja levada junto.

 
Trabalho árduo... principalmente se vivemos nesse redemoinho de funções, compromissos e afazeres.
 
 
O tão precioso "tempo" nos é roubado ou extroquido, quando não foi  entregue de mão beijada  por nós mesmos. 
 
 
Olhar nossa paisagem interna, levantar o véu de proteção e descobrir novamente alguns sonhos/valores esquecidos é descortinarmos. 
 
 
Mas não adianta apenas identifica-los, é necessário aplica-los em nossa vida novamente.
 
Pode ser doloroso, porém deve ser salutar.
 
 
Assim, nessa minha busca interior, percebi que estou numa nova “fase” de escrever.

 

Além de usar de linguagem metafórica para acrescentar mais tempero, agora só consigo “pensar e escrever” em versos, me expondo em rimas ...

 

Rsrsrsrsrsrsrsrsrsrrrsrsrsrsrs!!!!

 

É cômico e trágico, pois fico a lutar contra essa vontade.
 
Escrever é se expor e se expor em versos é se expor multiplicando por 10.

 
Os versos abaixo foram escritos há duas semanas e depois de perambular numa luta interna do ego versus a modéstia resolvi publicar.
 
Nova fase ... sem censura ... 
 
 


Troquei de prateleira

 

“Troquei de prateleira

E ando me procurando

Nas fotografias antigas

Nas cartas escritas

Nas lembranças armazenadas

 

Penso que não me perdi

Mas estou a permitir

Uma busca mais esmiuçada

Dessa trilha já adiantada

 

Os caminhos que percorri

Os amigos que fiz

As perdas, conquistas e vitórias

Mostram a glória

De uma vida bem vivida

 

Recomeçar !!

 

Me olhar e entender

Respeitar os meus apelos e limites

Isso sim

Já descobri
 
 
 
Ressignificar!!

 
 
Amo a vida

E com ela aprendo

Que cada dia é um começo

Mesmo com os tropeços

Que incidem em acontecer

 

Viver sem ter sentido

Sentir sem ter vivido

 

Pra mim, não!!

 

Quero mais ... Algo mais ...

 

 
Olho o passado

Ainda impregnado na memória

 

E vejo o futuro

Incerto e desconhecido

A me acenar com desdém

Me chamando com um mantra

Vêm, vem, vem, vem ...

 

Troquei de prateleira

Sufoco a ansiedade

Velha companheira de estrada

E experimento o presente

 

Sinto-me solta

As amarras frouxas

Pronta pra pular

Aguardo o estalar

Dos dedos do presente

A me desafiar. ”

 

 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Navegando ...




"Depois do diagnóstico da recidiva e do tratamento de quimioterapia e posterior cirurgia, me sinto navegar por águas calmas, embora escuras e profundas.


Nessa viagem alucinante e não voluntária (pelo menos não conscientemente) ainda evito me aproximar da borda da embarcação e até de me mover no barco, que o descrevo  como uma “canoa” frágil, porém de base sólida.


A calmaria das águas contraditoriamente me assusta e alivia ao mesmo tempo.

A canoa continua a descer o rio, em velocidade própria, tendo se negado a desistir ou a se entregar às ondulações do rio e às  nuvens que no céu prometiam furacões.



É certo que essa canoa está meio mulambenta, com cicatrizes e marcas permanentes, tanto no casco quanto no seu interior.


Contudo essas marcas não a tornam mais feia, servem de sadia lembrança acerca de quão efêmera é a vida.


O brilho do sol refletido nessas marcas as fazem brilhar, tal qual medalhas das batalhas já vividas.


Há dias em que aprecio a brisa, o luar, o sol, o cheiro de peixe, a escuridão da água.



E outros que um leve tremor no remo me faz parar de respirar ...   

Os dias passam lentamente...


Olho com euforia a paisagem que desliza lateralmente.


Por que não as enxerguei antes? Estavam elas escondidas ?


Aprecio e ouço o querem dizer.


Às vezes, teimosamente tento remar depressa como fazia anteriormente, mas a sábia canoa placidamente me demonstra que iremos “emborcar” se mantivermos esse ritmo.

Rio com ela e agradeço a lembrança da minha limitação.  


Olho por entre os bancos da canoa e não vejo mais tantos objetos e estorvos que me serviam como âncora.

Durante a viagem foram cuidadosamente jogados fora e de tão descartáveis e superfulos não fazem falta.


Adquiri novos objetos, mas desta feita, atentei-me com maior atenção as datas de validade, ao peso e a fabricação do produto incorporado a embarcação.

Não posso errar novamente e nem quero atrasar mais a minha missão."



 










  

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Paradoxo de envelhecer












“Envelhecer é o único meio de viver muito tempo.
Muitas pesssoas não chegam aos oitenta porque perdem muito tempo tentando ficar nos quarenta.
Quando se passa dos sessenta, são poucas as coisas que nos parecem absurdas.
Nada passa mais depressa que os anos.
A maturidade do homem é voltar a encontrar a serenidade como aquela que se usufruía quando se era menino.
A iniciativa da juventude vale tanto a experiência dos velhos.
Sempre há um menino em todos os homens.
A cada idade lhe cai bem uma conduta diferente.
Os jovens andam em grupo, os adultos em pares e os velhos andam sós.
Feliz é quem foi jovem em sua juventude e feliz é quem foi sábio em sua velhice.
Todos desejamos chegar à velhice e todos negamos que tenhamos chegado.
Não entendo isso dos anos: que, todavia, é bom vive-los, mas não tê-los.”

                                         Albert Camus



      Lendo alguns artigos na internet que falam sobre a forma de envelhecer, me lembrei de uma conversa que tive com minha tia Bety acerca dos esquecimentos e limitações que a vida está impondo a minha avó de 86 anos de idade.



Ela me pôs a refletir ao comentar o seguinte: “pois é Carla, veja se não é um paradoxo, quando estamos na proximidade do fim (vida) e queremos vive-la mais intensamente, somos impedidos de quase tudo para nos manter vivo.”



De fato, depois de vivermos todos os perrengues e desafios da vida, tendo criado filhos e finalmente podendo nos aposentar para gozar a vida plenamente – sem horários e compromissos, somos limitados física ou mentalmente de vivê-la, pois se queremos viver por maior tempo devemos estar atentos às limitações físicas impostas pela idade.


Assim, as atividades não realizadas e aventuras “sonhadas” quando jovens e que por motivos diversos (financeiro limitado, filhos, obrigações, tempo) foram postergadas para um gozo futuro, muitas vezes jamais  poderão ser vividas.


Num artigo constante na net li que envelhecer é a regra geral e portanto afeta todos os organismos vivos, sendo o seu termo natural a morte. 

Envelhecer então  é o declínio da capacidade funcional do organismo, progressiva e diferencial.


Dessa forma, o artigo classifica a idade e o envelhecimento em três idades:

1_- Idade biológica – esta ligada ao envelhecimento orgânico. Cada órgão sofre modificações que diminuem o seu funcionamento durante a vida e a capacidade de auto-regulaçõa torna-se menos eficaz.


* Entendo que aqui não dá para fugir, é “vala comum” a todos os seres humanos, alguns tentam retardar os efeitos desse envelhecimento,  mas não será por muito tempo.



2 - Idade social – refere-se ao papel, aos estatutos e aos hábitos da pessoa relativamente aos outros membros da sociedade. Esta idade é fortemente determinada pela cultura e pela história do pais.


* Quando viajei para o exterior no ano passado, fomos (eu e Antonio) colocados pelo pacote com uma turma do interior do Rio Grande do Sul – a faixa etária era acima dos 60 anos de idade. 

Confesso que de início ficamos desapontados, contudo a alegria e disposição desses “velhinhos” nos contagiava e instigava a continuar caminhando ... caminhando e caminhando, mesmo quando eu já estava a "capa da gaita" depois de conhecer inúmeros pontos turísticos.

Passei a observar os outros grupos turísticos oriundos de outros países e constatei que a quantidade de pessoas na 3º  e 4º idade era muito superior a de jovens adultos.

Aplica-se a idade social a cultura norteamericana e europeia, cuja  costume está reservado a opção (quase obrigatória) dos idosos de conhecer o mundo.  

Vejo isso nas duas famílias americanas com quem vivi, sendo que eles se permitem a uma vez por ano viajar ao exterior.

Saliento que eles não são ricos, ao contrário são professores de escola pública secundária que durante a vida planejaram a aposentadoria e velhice .  

Ainda bem que podemos também observar que ultimamente os brasileiros estão se juntando a esse contigente de pessoas e começam a planejar uma aposentadoria mais dinâmica.


3- Idade psicológica – relaciona-se as competências comportamentais que a pessoa pode mobilizar em resposta as mudanças do ambiente, inclui inteligência, memória e motivação.  




Aqui encontro a principal barreira a ser vencida por qualquer um de nós que queremos desfrutar de uma “velhice” ativa e feliz.




Entendo que os desafios perpassam pelo encontro de motivações na vida para continuar a vivê-la, ainda que com as limitações impostas por ela, bem como na adequação das impossibilidades físicas sem deixar de extrair o “belo” da vida, apreciando o dia a dia.


Novamente a decisão é de cada um.

Para ilustrar bem essa demanda, lembro-me de um filme assistido em maio deste ano chamado “ O Exótico Hotel Marigold”.



Vale a pena assisti-lo, é uma mistura de comédia com drama.


Narra-se a estória de um grupo de idosos ingleses que rumam por motivos diferentes um do outro para um hotel localizado na Índia, em  que se oferecia um espaço perfeito e suntuoso a preços módicos, atendendo especialmente à pessoas na terceira idade com o fito de aproveitarem os anos cinzentos do fim da vida.



É lógico que preço baixo e suntuosidade dificilmente trabalham juntos ...


Logo, ao chegarem ao hotel depararam com outra realidade, o hotel estava caindo aos pedaços....

Sem muita alternativa resolvem permanecer no hotel e passam a descobrir sentimentos e sensações que estavam adormecidas ou esquecidas na memória.  



O filme passa a relatar as histórias de cada personagem, das tristezas, durezas, alegria e drama vividos ao longo da vida.


A moral da “estória” é que podemos redescobrir a alegria de viver, quando deixamos de viver no passado e nos libertamos de amarras colocadas e permitidas por nós mesmos no decorrer da vida, seja por “defesa”, preconceitos ou comodismo.



A solução que me surge é deletar da mente o estereótipo do velho/idoso, refletindo no imaginário popular, como uma imagem de doença, abandono, rugas, flacidez, solidão.


Simone de Beauvoir disse que é no olhar do outro que temos a dimensão da passagem dos anos.


 Retratou esse entendimento na seguinte frase: “ O individuo idoso sente-se velho através do outro, sem ter experimentado sérias mutações; interiormente não adere a etiqueta que se cola à ele: não sabe mais quem é.”

Ou seja, nós não nos enxergamos (sentimos) como velhos, sendo o outro que nos vê assim e de alguma forma nos impele a seguir um “código de conduta” esperada de “velhos”.


Penso hoje e espero no futuro atravessar a velhice com dignidade e prazer, pois de alguma forma ela expressa a forma que vivemos anteriormente.


A bagagem de experiências vividas no decorrer dos anos  nos ajudará a enfrentar esses novos desafios.

Ademais, vale lembrar que as perdas não ocorrem apenas na velhice, mas em todas as fases, desde o nascimento até o nosso fim.