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sexta-feira, 25 de maio de 2012

Exalar perfumes ...


" O amor é o perfume das almas."
Dom Helder Câmara



Conheço pessoas que “exalam” perfume próprio por onde quer que passem, e por mais que os anos voem, elas continuam deixando a sua marca (característica) guardada em nossa memória emocional-olfativa.

Às vezes comparo as pessoas que tenho o privilégio de conhecer (no local de trabalho, hospitais, shoppings, festas, missas...) com perfumes e constato que temos perfume próprio, cultivado com o decorrer dos anos e experiências, mas que podemos também exalar cheiros diversos,  atendendo a necessidade do momento, dependendo é claro, da variedade do jardim que cultivamos nossas flores.
  
Assim, conforme minha teoria dos perfumes, classifico (com amor!!!)  pessoas em distintos potes de perfume.
  
As avassaladoras, enérgicas e agitadas estão nos potes dos perfumes de fragrância forte.  É uma delicia conviver com elas, são extremamente cheirosas, contudo o convívio (uso) deve ser moderado sob pena de se tornar enjoativo.

Existem outras que são como rosas, o perfume é levemente adocicado e sensível, e o seu uso constante torna a vida doce, mas certos momentos da vida exigem alternativa de troca-las por outras fragrâncias mais fortes, sob pena de tombar.

Outras, são como os perfumes madeirado: fortes e guerreiras ...

E daí por diante...

Contudo, percebo que algumas pessoas não exalam perfume algum e passam pela vida sem deixar marca ou saudade.

Enquanto estive brevemente internada no Hospital 09 de Julho em São Paulo, constatei minha teoria do perfume.

Havia enfermeiras calorosas e atenciosas que marcaram minha  passagem nessa momentânea “hospedagem”: Michele, Elisanea, Carmem, Cida, exalavam perfumes doces e até franceses.

Na hora de aplicar um remédio ou dar banho, emitiam um olhar diferenciado, acolhedor e mais humano. É como se dissessem: “eu me vejo em você e, portanto lhe trato com atenção e carinho.”

Outras, porém, não consigo nem lembrar o rosto ou nome, foram impessoais e até frias ...

Impecáveis no quesito “cumprir com a obrigação”, porém vazias de emoção.

O atendimento humanizado não trará diferença salarial, mas a troca de energia positiva e bem querer não se computa com dinheiro. Ademais, não acredito que estamos só de passagem por esta vida ... alguma coisa fica "gravada" no Universo.

Daquele atendimento diferenciado ocorrido num mesmo plantão, passei a analisar minha vida.

Quantas vezes agi “cumprindo com a obrigação” e não ofereci o melhor de mim.

Deixei passar oportunidades de oferecer maior consolo e compaixão a quem me procurava, pois o “tempo” nos urge de responsabilidades e ficamos impedidos de proporcionar mais atenção.

O triste é perceber, que muitos passam a “cumprir com a obrigação” até dentro da própria casa, não interagindo com filhos e esposas/maridos. Atendem materialmente a família, entretanto deixam a atenção emocional para depois.

O problema é quando não houver possibilidade do depois ...

Ou quando essa oportunidade existir, já houver ressentimentos suficientes para não conseguir transpassá-la.   

Assim, decido que quero deixar o meu perfume exalar pelos corredores da vida, conforme tiver necessidade, ora sendo avassaladora, ora doce, ora guerreira, mas sempre difundindo o melhor de mim.

Todavia, não posso esquecer que para exalar perfume de rosas e madeiras temos que aprender inicialmente a cultiva-las.


"Um pouco de perfume sempre fica nas mãos de quem oferece flores."
Provérbio chinês

  



quinta-feira, 24 de maio de 2012

As portas que a Vida abre!!



Com o restabelecimento físico pós cirurgia e regresso ao lar surge um novo desafio a ser vencido.


Na verdade nem tão novo assim, já que não sou mais inexperiente no quesito quimioterapia.


Contudo, aprendi também que a cada sessão de quimioterapia o corpo reage de uma maneira, portanto, não podemos antever o que acontecerá.


Cabe-nos rezar para que tudo ocorra da melhor maneira possível.


Dessa maneira, durante consulta médica no dia de hoje, foi decidido que a etapa quimioterapia iniciará no dia 28 de maio.




O novo “pacote”  é de 01 sessão a cada 21 dias perfazendo total de 03 sessões.


Engulo seco, pois não é fácil não.


Mas o que tem que ser será.


E se é caminho necessário para cura, estou pronta!!!


Assim, após o almoço decidi repassar ao meus filhos as novidades a fim de prepara-los emocionalmente para as próximas sessões.




De início os olhares ficaram meio tristonhos e preocupados, mas estavam atentos a narrativa.


Fiz um breve resumo da bem sucedida cirurgia (em linguagem infantil) realizada em São Paulo, contudo expliquei que seriam necessárias outras sessões de quimioterpia.

Ressaltei que no início do tratamento em fevereiro/2012, o médico oncologista me apontou três portas (linguagem lúdica) possíveis de serem abertas.


A primeira porta (possibilidade) era que a quimioterapia não surtisse o efeito desejado e o câncer continuasse a se espalhar pelo organismo.




A segunda porta (possibilidade) era que a quimioterapia funcionasse apenas parcialmente, ou seja, que o câncer estagnasse.


A terceira porta (possibilidade) – a melhor dentre as três – era que a quimioterapia funcionasse reduzindo a abrangência do câncer (que havia invadido tecidos de outros órgãos – pâncreas, vesícula, intestino delgado ...) e assim seria viável a ressecção do câncer nesses órgãos, contudo poderia implicar em qualidade de vida bastante restrita para mim, visto que esses órgãos poderiam ser parcialmente ressecados.

 
Conforme eu explicava para as crianças, eu percebi que havia sido aberta uma quarta porta que não havia sido descrita no início do tratamento e que agora eu podia enxerga-la.


A quarta porta foi aberta pela Providência Divina, que possibilitou mediante  quimioterapia a redução extraordinária da área de abrangência do câncer e sua quase exterminação, viabilizando a realização de cirurgia de ressecção em um único órgão – a vesícula (órgão não vital).

Aquela considerável massa tumoral havia desaparecido, tendo sido encontrado isoladas células ao redor da vesícula e peritônio.

Parei imediatamente de falar e olhei nos olhos de meus filhos e lhes disse: “ E isso meninos é DIVINO.”




Continuei explicando que ainda restava uma última etapa (e é tão bom imagina-la como última!), e essa etapa era a quimioterapia, entretanto agora estava "aparentemente" mais fácil para o “batalhão” vencer o inimigo e então extirpar a essa doença traiçoeira do meu corpo.


Enfatizei que “o monstro” havia diminuído  de tamanho, mas continuava monstro e que deveríamos dar a última paulada para ele deixar de existir.


Eles sorriram e disseram: “Comece logo, mamãe !!!”

A vida é realmente MARAVILHOSA !!!

 
Uma porta bruscamente fechada nos provoca inicialmente sensação de desamparo, injustiça e solidão. 

 
Ficamos momentaneamente sem saber por onde caminhar e se permitirmos, às vezes, poderemos não encontrar a luz novamente.

 
Desistir é mais fácil ...

Se  nos entregarmos a derrota, seremos vítimas ... E desempenhar o papel de vítima é muito mais cômodo!

Não tenho a pretensão de me achar acima do bem e do mal, pelo contrário, eu vivo na prática tropeçando nos conceitos elaborados por mim ou terceiros. Conceitos esses que ao serem postos em prática não vingam.

Todos os dias eu aprendo algo.

 
E sinto que esse "algo" foi aprendido quando me prôpus a me abrir para o mundo e me permitir errar, cair e levantar.

Não sou perfeita e as pessoas também não são ...

Os nossos sentidos estão sempre abertos e alertas para usufruir o melhor da vida, que é simplesmente vive-la - saboreando-a.

Quando enchemos os nosso sentidos com energias desnecessárias, poluímos a mente e cansamos o Espírito.

E invariavelmente isso nos impossibilita de distinguir quais portas que deveriam ser realmente abertas.


E assim, arrependemos da escolha e culpamos outros ... (É mais fácil, né?)




O pior é quando fazemos disso um ciclo de repetição interminável ... E não nos damos conta de "pisar no freio" ou "mudar a roupagem".

 
O Universo está aí, pronto a conspirar a nosso favor !

Lancemos as boas sementes !!!


    






quarta-feira, 23 de maio de 2012

De onde vem a confiança?







"Da Alegria de um azul celeste
Que encanta a criançada
Que corre e solta pipas
Olhando pro arco-íris

Da Esperança daqueles excluídos
Que de nada são providos
além de dor e dissabores

Da Graça recebida com alegria
Por quem ama e confia
Que tudo irá mudar um dia.

E que esse dia esteje próximo,
Para que possamos dividir cada momento,
Transformando dores em esperança.

Há vários caminhos a seguir ...
As soluções existem. É preciso sobedoria
Para encontrar a direção certa.

Saber agradecer e confiar sempre
Num Deus soberano e justo
Que nada nos tira sem nos confortar."

Sandra Lamego







E assim meus amigos O Juiz apontou para o centro do campo, sinalizando que a cobrança do penalti era válida.


GOOLLLLLLLL!!!!!!!!!!!



Sim, Gooool!!! 


A cirurgia foi bem sucedida e em 05 dias eu já havia recebido alta hospitalar para aguardar em casa o pleno restabelecimento físico.



Alivio imediato !!!.



Hospitais me dão calafrios, mesmo aqueles que parecem hotéis !!!


São muitas as lembranças (cheiros, procedimentos, banhos) que teimam em aparecer no meu campo visual.


Enfim, o término de mais uma etapa - a cirurgia.

Agora precisava aguardar o resultado dos exames imunohistoquímicos e anátomo patológico realizados na “peça” retirada do meu corpo, ou seja, os exames microscópicos iriam informar se ainda havia ou não havia câncer em meu organismo.


Mais 06 dias de espera...



E aqui vai mais uma lição aprendida por mim.

 A ansiedade para saber o resultado dos exames era tanta que não suportei esperar pela consulta agendada para dia 21/05, aonde eu falaria com o cirurgião responsável e teria também o resultado de todos os exames.



Embora aguardar era a alternativa, eu não podia esperar tanto tempo, e assim que descobri que o resultado de um dos exames ficaria pronto mais cedo, no dia 18/05, fui correndo ao laboratório busca-lo.

Daí, vem a lição.


Não fiz medicina, mas de tanto ler resultados e pesquisa-los no "Dr. Google" acerca de diagnósticos e termos médicos, me achava preparada para analisar o exame.


Ilusão!!!

Ler os exames antecipadamente às vezes ajuda a fazer-nos entender o problema, mas pode também complica-lo.



Assim, dentro do laboratório abri o envelope e comecei a ler o resultado.


Conforme avançava na leitura do exame, comecei a sentir um “embrulho” no estômago (órgão que eu não tenho mais”) e os olhos começaram a ficar embaçados pelas lágrimas que agora teimavam em cair.



Para não fazer “bafão”, controlei o choro até assinar toda papelada e pegar o exame.

Já na rua, em plena Frei Caneca/SP, não consegui conter-me e as lágrimas caíram quentes e velozes dos meus olhos.



O motivo era um só, eu havia lido que foi em uma peça retirada do peritônio foi detectado câncer “ adenocarcinoma pouco diferenciado”. Eu esperava que não houvesse mais nada.

Me senti arrasada ...

Não podia ser...

Depois de tudo ...

Um filme já começou a rodar em minha cabeça ... O filme do meu FIM ...

Comecei a caminhar e como as lágrimas rolavam e não havia lenço para enxuga-las, decidi procurar por lenço de papel nas farmácias ao redor, embora o meu marido quisesse que fossemos direto para o consultório médico.

Eu não concordei com ele e disse que não tinha "espírito" para falar com ninguém naquele momento  e meu desejo era sair correndo a esmo, mas como estava impossibilitada de correr em razão da cirurgia, só poderia caminhar. Então fomos caminhar pela Av. Paulista.

Contudo, até chegar a Av. Paulista (coração financeiro daquela cidade) existiam ainda duas quadras que separavam a rua do laboratório e da Av. Paulista.


Dessa forma, com lágrimas rolando ladeira abaixo na face, comecei a reparar na paisagem ao meu redor.

Haviam sem tetos estirados no chão colhendo o calor do sol para se aquecerem, sujos e maltratados pela vida e por eles próprios, e mais adiante, a menos de 20 metros daquele local, erguia-se um magnífico prédio do Ministério Público Federal, com vidros espelhados verdes e riqueza de detalhes dourados e enfeites ...


Um mundo paralelo !!!!



Carrões, pessoas bem vestidas ...

Contradição...

Discrepância...


Miséria física e espiritual ...


Incoerência!!


Um ser humano estava bem ali, jogado a mercê do próprio azar, na calçada, por “livre” escolha, na frente de todos nós (demais seres humanos) que caminhávamos sem enxerga-los, ora mudando de calçada para não defrontarmos com essa realidade ora ignorando-a.

Minhas lágrimas começaram a secar e quando cheguei a Av. Paulista, já havia me controlado.

Depois andamos um pouco mais pelo Parque Trianon, aonde eu abracei (literalmente) algumas árvores (espero que não as tenha secado rsrsrsrs) e busquei retirar a energia negativa que me pesava o coração.

Pensei que, se era aquele o resultado do exame, não significava o fim do mundo ... mas a continuidade dessa batalha que venho travando desde 2005.



O jogo ainda não havia acabado.

E munida desse espírito de embate, pegamos um taxi e fomos a consultório médico do oncologista clínico.

Lá, ele me acalmou e explicou o significado do resultado do exame, informando que havia sido confirmado a existência de microcélulas no peritônio com a presença do câncer, contudo estavam isoladas e a quimioterapia iria cumprir o seu papel de extermina-las.   

Ufa !!!!!

Eu e Antonio saímos do consultório leves e tranquilos.

Nos abraçamos e beijamos no corredor, cada um tentando apaziguar o coração do outro.


Que montanha russa é a vida!!!


Segure-se quem puder e aguente o que vier!!!

E vamo ... que vamo!!!!!


Aprendi com esse episódio a aguardar pela explicação e conclusão de especialistas e a não fazer “tempestades” antes do tempo, pois “mina” nossa energia e não acrescenta nada de positivo no tratamento.

Depois dessa turbulência - provocada por mim mesmo - já na segunda-feira,  durante a consulta com o cirurgião, esse confirmou que o tumor havia de maneira extraordinária reduzido e não foi encontrado massa tumoral, restando apenas pequenos ninhos isolados que serão “exterminados” pelas novas sessões de quimioterapia que retornarei a fazer.

Acalmo-me !!!



A esperança refrigera minha alma ...


A Providência Divina mais uma vez se fez presente em minha vida !!!


Graças a Deus!!!



Ah, uma palavra teimava soar em meus ouvidos, durante todo o percurso entre o laboratório até o Parque Trianon, essa palavra era: “ Confie ...”


A confiança depende de nós, da nossa entrega e  Fé !!


Mais uma lição!!  









quinta-feira, 17 de maio de 2012

É vida que segue ...


É incrível como pequenas coisas me fazem refletir sobre a condição efêmera do Ser Humano.
Ao acordarmos, quase como reflexo, realizamos inúmeras atividades  sem nos atermos exatamente ao que estamos fazendo, ou seja, levantamos rapidamente da cama (quase pulando), vamos ao banheiro, usamos o vaso sanitário, fazemos nossa higiene pessoal (dentes e banho), trocamos de roupa, preparamos o café da manhã, ligamos a TV, lemos o jornal, pegamos a chave do carro, fazemos mentalmente uma lista de coisas a se realizar naquele dia em relação aos filhos, marido e trabalho, entramos no carro e vamos trabalhar ...
Lá continuamos como uma máquina a repetir outras atividades relacionadas ao serviço: ligamos computador, mexemos com a impressora, carimbo, grampeador, caminhamos pelos corredores falando ao celular, atendemos pessoas digitando no computador e assim vai. A lista é enorme e cada vez mais, somos levados a fazer duas ou mais coisas ao mesmo tempo.
Outro dia, estava assistindo na TV uma propaganda que tinha como mote o oferecimento de iogurte infantil, onde a criança não precisava PARAR  para bebê-lo(saborea-lo), bastava apertar a base desse “modelo” de iogurte que ele saia da caixinha feito picolé , podendo ser lambido pelas crianças, ou seja, vendia a ideia que a criança poderia pedalar, correr e saltar lambendo o iogurte e não precisava parar para realizar uma só atividade ... moral da história: “ Só os lentos precisam fazer uma atividade por vez e você estará em “vantagem” em relação a ele".
E assim a ideia é vendida.

Parece-me que somos impulsionados a fazer três ou quatro coisas ao mesmo tempo e ao final não saboreamos verdadeiramente nenhuma delas.

A pressão subliminarmente repassada pelo marketing é tão massificante, que começamos a nos achar “incompetentes” por só conseguirmos fazer uma coisa de cada vez!!!!!  

Assim, começamos a abusar do corpo e exigimos dele o que ele não pode oferecer, isso sem falar que o intoxicamos com comida rápida e não saudável, cigarro ou bebida.

E os dias se passam ...

Até que ... (e sempre tem um até que na vida) ficamos doentes.

Como um pisada brusca no freio do carro da vida, dirigida alucinadamente por nós mesmos, somos forçados a parar tudo.

Surpresos, percebemos com a parada forçada, que gastamos nossa energia vital em coisas não essenciais.

Mas será que temos que ficar doentes para darmos um “break” em nossa atribulada vida?
Penso que não!!!!!!
Não estou pregando o ócio pelo ócio (embora ele seja extremamente necessário às vezes), mas podemos viajar nessa jornada terrestre dentro de limites.

Acredito que quando a Vida nos chama a atenção mediante o acometimento de uma doença, Ela não está nos punindo, ao contrário, Ela está dizendo: “Eu te amo tanto, que ofereço outra chance.”
 Dando boca e voz a essa Vida, Ela falaria comigo da seguinte maneira:
 “ Então Carla, eu tive que te parar para você poder apreciar o que está deixando de lado. Isso não é um castigo, mas uma forma de faze-la entender, já que é tão “cabeçuda”!!!
Quando doentes, temos as nossas habilidades físicas momentaneamente restritas a parcos movimentos e dependemos, vez ou outra, de alguém para realizar atividades básicas, como trocar de roupa, tomar banho, nos enxugar após o banho ...

Tirando a dor, as restrições e o medo (faz parte do “pacote” da Vida), esse “momento especial” nos permite valorar a importância dos músculos, membros e da elasticidade fomentada por eles, enfim, aquilatamos nosso corpo, saúde e vida.

Entendemos que o simples ato de escovar os dentes e trocar de roupa, antes praticados roboticamente ao levantarmos da cama, exige certo esforço físico. E então, intuímos a dinâmica da vida, na realização de atividades simples e complexas.

Já estou no 7º procedimento cirúrgico (e espero que seja o último) e novamente sou amorosamente forçada a parar e reestruturar meu Ser.

No dia 11 de maio, ao acordar da cirurgia, abri meus olhos meio de soslaio como se para verificar se estava no lugar certo – entenda-se aqui planeta Terra. Não constatei a presença de seres etéreos ou com tridente na mão, percebi que estava viva e deitada na sala de recuperação do hospital.
Respiro aliviada.

Sou levada ao quarto do hospital e lá carinhosamente recebida  pelo meu marido e tia.

Sorrio, e sedada volto a dormir.

Acordo com enfermeiras entrando e saindo do quarto, aplicando medicamentos, medindo pressão, temperatura, oxigenação ...

A partir do 2º dia de resguardo, sou alçada à categoria dos que devem se exercitar ... em razão da possibilidade de embolia/trombose.

A enfermeira me leva ao banho e sinto então dor, advinda do simples ato de levantar da cama (os músculos do abdômen operado estão se queixando ...).

De pé, meio “tonta”, por conta dos medicamentos, caminho em direção ao banheiro, de forma lenta e sendo obrigada a “pensar” a cada passo antes de realiza-lo (sinto os músculos, ligamentos e órgãos - "Puxa, tenho tudo isso dentro de mim e lhes dei pouca atenção!!!!).

Trajando aquela camisola de hospital, desenhada propositalmente para nos deixar sem forma e personalidade (paciente não tem hierarquia, somos todos iguais) continuo a minha “jornada” para o banho.

Despida de roupas e da vergonha, estou defronte a uma desconhecida, que me ajuda a sentar em uma cadeira-vaso sanitário para poder tomar banho, pois as pernas não estão firmes o suficiente para aguentar o simples ato de me banhar.

Sinto-me fraca, contudo feliz por estar viva.

E começo a agradecer mentalmente pela cirurgia realizada e por estar ali viva.

Secam o meu corpo e escovo os dentes bem devagar, sentindo cada movimento da escova.

Volto ao quarto, coloco outra camisola e sou convidada pela fisioterapeuta a caminhar exercitando pelo corredor.

Saio meio ressabiada, olho de um lado e do outro e opto pelo caminho mais curto – um corredor de 20 metros, que antes poderia percorre-lo em segundos, mas que agora na categoria de “paciente” ele me parecia uma rua de maratona.

E lá vou eu, Carla, a maratonista do dia!!!! 

Ando lentamente ...  com o corpo encurvado pelo corte da cirurgia e empurrando o “cachorrinho”(é como os paulistas chamam o suporte para carregar soros, sonda e outros aparelhos essenciais para sobrevivência).

Um passo ... dois passos ... três passos ... curtos, trêmulos e vacilantes diante da fraqueza do corpo (dores locais, disfarçadas pelos remédios ingeridos e aplicados).

Percorro os 20 metros e retorno exausta e ofegante  ao quarto, me sentindo  cansada, mas satisfeita por ter completado a “meta” do dia.

De fato era a minha maratona.
No dia seguinte, a rotina se repete com alguns diferenciais: acordo, tomo banho sem a ajuda da cadeira-vaso para o banho. Estava progredindo na escala de melhora no hospital.

As dores continuam, porém me sinto mais forte e saio novamente para caminhar.
Agora repito o mesmo caminho, porém decido prolonga-lo optando para percorrer o caminho oposto – mais 30 metros.

Nossa, que orgulho, já andei 50 metros.

Cumpro a meta da fisioterapeuta e assim os dias vão se passando no hospital até eu estar apta a receber alta médica.

Recebida a alta, esqueci que estava operada e imediatamente “corri” para o banheiro a fim de tirar o camisolão, então o corpo reagiu e eu senti a restrição da cirurgia.

Paro, respiro profundamente e começo a repetir os movimentos  mais devagar, respeitando o meu organismo e condição física.

E hoje, sexto dia depois da cirurgia, caminho pela área de lazer do prédio em que estou hospedada em São Paulo. Ando com mais agilidade, os passos estão mais vigorosos, o corpo nem tão curvado e o ato de sentar e levantar está cada dia mais fácil de ser realizado.

Consigo tomar banho sozinha, trocar de roupa ...

E certo que atar o cordão dos sapatos, enxugar as costas e fazer pequenos afazeres domésticos ainda precisam ser realizados com o suporte e apoio de alguém, porém, pouco a pouco, a rotina volta a se estabelecer.
 "Rotina", "vida normal", palavras doces e agradáveis de se ouvir e viver, principalmente  quando se perde ainda que momentaneamente uma delas.

Além da restrição física, ser “paciente” nos obriga a depender de alguém ou “alguens”. O que é ótimo para desenvolver a humildade  e nos ensinar que precisamos do outro para vivermos em harmonia com o cosmo.

E como diz Chico Pinheiro no jornal Bom dia Brasil: “ É vida que segue ...”