"Depois do diagnóstico
da recidiva e do tratamento de quimioterapia e posterior cirurgia,
me sinto navegar por águas calmas, embora escuras e profundas.
Nessa viagem alucinante e
não voluntária (pelo menos não conscientemente) ainda evito me aproximar
da borda da embarcação e até de me mover no barco, que o descrevo como uma “canoa” frágil, porém de base sólida.
A calmaria das águas contraditoriamente me assusta e alivia ao mesmo tempo.
A canoa continua a descer
o rio, em velocidade própria, tendo se negado a desistir ou a se entregar às
ondulações do rio e às nuvens que no céu
prometiam furacões.
É certo que essa canoa
está meio mulambenta, com cicatrizes e marcas permanentes, tanto no casco
quanto no seu interior.
Contudo essas marcas não a tornam mais feia, servem de sadia lembrança acerca de quão efêmera é a vida.
O brilho do sol refletido nessas marcas as fazem brilhar, tal qual medalhas das batalhas já vividas.
Há dias em que aprecio a
brisa, o luar, o sol, o cheiro de peixe, a escuridão da água.
E outros que um leve
tremor no remo me faz parar de respirar ...
Os dias passam lentamente...
Olho com euforia a
paisagem que desliza lateralmente.
Por que não as enxerguei
antes? Estavam elas escondidas ?
Aprecio e ouço o querem dizer.
Às vezes, teimosamente
tento remar depressa como fazia anteriormente, mas a sábia canoa placidamente
me demonstra que iremos “emborcar” se mantivermos esse ritmo.
Rio com ela e agradeço a
lembrança da minha limitação.
Olho por entre os bancos da canoa e não vejo mais tantos objetos e estorvos que me serviam como âncora.
Durante a viagem foram cuidadosamente
jogados fora e de tão descartáveis e superfulos não fazem falta.
Adquiri novos objetos, mas
desta feita, atentei-me com maior atenção as datas de validade, ao peso e a fabricação do produto incorporado a embarcação.
Não posso errar novamente e nem quero atrasar mais a
minha missão."
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