“Ninguém permanece
satisfeito com o que tem, olhando para o que é dos outros, é por isso que nos
iramos até contra os deuses, quando alguém nos ultrapassa, esquecidos dos
homens que ficam para trás. (...) Queres saber qual é o teu maior vício? Fazes
mal as contas: valorizas demasiado o que te oferecem, mas desvalorizas o que
tens.”
Nesse feriado prolongado fiquei
em casa, ora servindo de motorista para duas crianças ora assistindo filmes.
Coincidentemente assisti a
quatro diferentes estórias, mas com o mesmo enfoque – a eterna insatisfação
humana.
Nos filmes que assisti a felicidade
estava defronte aos personagens, mas eles sempre a buscavam em outros lugares e
outras pessoas.
A primeira estória foi no
filme “Um Dia” que narra os encontros e desencontros amorosos de dois amigos
(uma mulher e um homem) ao longo de uma amizade de 20 anos. Onde numa busca incessante
e insatisfeita pela vida, não conseguiam enxergar a existência de um amor maior
e verdadeiro entre ambos.
Já no filme nacional “Estamos Juntos”, a estória se passa diante do
medo de uma jovem médica residente de se entregar a qualquer tipo de
envolvimento: seja amizade ou amor. Vive de amores rápidos e amizades
superficiais. Passando o filme questionando se o medo de amar torna as pessoas mais
egoístas.
A terceira estória se
passou no quadro em reprise do fantástico “A vida como ela é” de Nelson Rodrigues,
onde um casal vive um relacionamento conjugal “morno” após 07 anos de casamento
e só com a chegada de um casal de vizinhos, que “em tese” possuíam um relacionamento
sexual intenso, gerando a inveja e cobiça desse primeiro casal é que os motiva a se redescobrirem e investirem no antigo relacionamento conjugal novamente.
E por último e para
fechar o final de semana, assisti a comédia argentina “Um namorado para minha
esposa” que passou no Corujão da Globo. Que conta a estória de um relacionamento
desgastado de um jovem casal, visto a mulher possuir mal humor terrível que acovarda
o marido a pedir o divórcio, mas para sanar o problema, ele
resolve seguir o conselho de um amigo e contrata um outro homem para que
a esposa se apaixone e o liberte do infeliz casamento. O hilário é que no
decorrer do filme, o marido descobre que ainda amava a mulher e se desespera ao
perceber que irá perde-la para outro, que não é o “namorado” escolhido por ele.
O ponto convergente
nessas quatro “estórias” é a eterna insatisfação do ser humano.
Por que estamos sempre
procurando padrões e perfeições que não existem em nós e/ou nos outros.
Conheço uma pessoa e digo sempre a ela com amor: “Pare com isso, você
esta sendo masoquista”, senão vejamos: ela compra uma roupa e fica a pesquisar em outras lojas após a compra para ver se fez
um bom negócio. Não se satisfaz até achar um lugar aonde encontra uma calça
mais barata e bonita. Daí sim fica satisfeita.
E assim agimos de maneira
parecida nos relacionamentos que mantemos, nos empregos que conseguimos, nos
carros/casas/Ipads/celulares e outros objetos
transitórios que adquirimos.
Parece que quando
alcançamos algo, isso já serve de trampolim para outros desejos...
O ponto positivo dessa eterna
insatisfação humana é que ela faz o mundo girar, movimentar, pois provoca
mudanças ao redor.
A satisfação ao contrário
acalma, limita e amortece.
O problema é quando essa
insatisfação se transforma em círculo vicioso de ansiedade, onde adquirimos e/ou
conquistamos algo e logo após estamos olhando a “grama verde do vizinho”.
A necessidade de “conquistar”,
do poder, do dominar nos faz abdicar daquela necessidade de apreciar e manter o
que de fato não é transitório em nossas vidas, que são as pessoas que temos ao
nosso redor, sejam elas amigas ou amores.
Dêem uma olhada no ponto
de ônibus, no shopping center, no trabalho, na sua rede de convívio.
Ouvimos e vimos poucos
relatos de pessoas satisfeitos.
Se faz calor reclamamos
que é ruim, mas se faz frio é pior.
Se estar desempregado é
ruim, ter que trabalhar semanalmente também
não é bom. (É só ler as mensagens do Facebook, quando se aproxima sexta feira
ou segunda feira ... é cômico.)
Se estar casado é enfadonho,
estar solteiro é cansativo (tanto que estão sempre em busca de alguém ...)
O tempo passa e isso se
torna crônico na vida das pessoas.
Reclamar, reclamar,
reclamar ...
Insatisfação, insatisfação
...
O poema de Millor
Fernandes ilustra esse sentimento contínuo.
“ O que me dói
É que quando está tudo
acabado
Pronto pronto
Não há nada acabado
Nem pronto pronto
Pintou-me a casa toda
Esta tudo limpo
O armário fechado
A roupa arrumada
Tudo belo, perfeito
E no mesmo instante
Em que aperfeiçoamos a perfeição
Uma lasca diminuta, tênue,
microscópica
Não sei de onde
Está começando
Na pintura da casa
E as traças não sei onde
Estão batendo asas
E a poeira, em geral, está
caindo invisível,
E a ferrugem está comendo
não sei o que
E não há jeito de parar ...”
Tive uma experiência
curiosa quando num domingo qualquer (nessa terra quente chamada Cuiabá)
passeava no shopping (usufruindo do ar condicionado) e encontrei com 03 amigos-conhecidos.
Desses três encontros casuais,
dois reclamaram do calor, emprego e governo e apenas um relatou a alegria que
estava com o crescimento do filho.
A sensação de leveza e
bem estar oriunda da conversa com o amigo-satisfeito, me fez refletir em dialética
(comparando) acerca no peso e mal estar advinda da conversa
com os outros dois.
Almejar eterna satisfação
é viver insatisfeito, pois ela não existe de forma perpetua.
O que não nos
impossibilita de cultiva-la nos breves e singelos momentos da vida - que nos
acalma e amortece das "cobranças e anseios diários".
Procurar a satisfação/felicidade sem sofreguidão
e nem requisitos/padrões estabelecidos nos pequenos momentos que vivenciamos no
dia a dia é que tornam as nossas
lembranças duradouras.
Assim retorno ao início
deste post, quando comecei escrevendo que passei o feriado prolongado,
ora servindo de motorista para meus filhos ora assistindo filmes.
O "tom ou sentido" parecia insatisfeito e tedioso, não é?
Todavia, afirmo que
tirando o cansaço físico, vivi com meus filhos e marido momentos de bate-papo sério
e de brincadeiras gostosas dentro do carro, sendo “Bons momentos” armazenados
na memória de minha vivência e que poderão ser apreciados e lembrados quando Túlio e Tiago
estiverem adultos e não precisarem mais desta “motorista” para leva-los e
busca-los em suas festas e encontros.
Vou buscar viver como
Sêneca relata abaixo, agradecendo que tenho ...
“ O homem é tão mesquinho
que, mesmo tendo recebido muito, considera-se injuriado se pudesse ter recebido
mais... (...) Sobretudo, agradece aquilo que recebeste; aguarde pelo restante e
alegra-te por não estares ainda satisfeito: é um prazer haver algo por que
esperar...”
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