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sexta-feira, 4 de maio de 2012

Arrumando o coração!!!


“      A gente todos os dias arruma os cabelos: por que não o coração”
                                  Provérbio Chinês.




Quando tive câncer em 2005 não fiz quimioterapia em razão das complicações cirúrgicas ocorridas à época, sendo assim, agora é  a primeira vez que sofro as consequências “naturais” da quimioterapia, como a queda dos cabelos.

Acredito que a calvice atinja tanto homens quanto mulheres, visto afetar a identidade, contudo penso que nós mulheres sofremos mais emocionalmente, até porque o cabelo é tido como instrumento de feminilidade e sedução.

Quem me conhece, sabe que os meus nunca foram nenhuma “Brastemp” e que só ultimamente tinha-os domado com “chapinha”, contudo o ato de raspar os cabelos diante da queda persistente, mexeu com o meu interior.

Inicialmente, comecei a perceber quantidade considerável de cabelos no chão e travesseiros ou aonde mais eu encostasse. Depois, o couro cabeludo começou a ficar dolorido e o cabelo começou a cair em “pencas”.

Estava ficando meio mórbido e eu resolvi corta-lo bem rente.

Fiz aquela farra com as crianças, inserindo-as no evento “corte de cabelo da mamãe” no intuito não ficarem chocadas.   

Quando achei que cortando os cabelos na “altura” nº 03 da máquina de raspar cabelos fosse suficiente, constatei que os cabelos continuaram a cair, deixando espaços vazios entre um tufo e outro.

Raspei-os então na navalha (eu não, o cabeleireiro do meu marido).

É uma sensação difícil de descrever, o fato de você se olhar no espelho e não ter mais o cabelo.

E tudo de maneira rápida, sem poder se “acostumar” com a ideia.

Foi assim que eu descobri:

a -Que não sou cabeçuda ...
b- Que o formato da minha cabeça é bonito ... (sem falsa modéstia)

c- Que as casquinhas de catapora que tirei quando criança, achando que nunca ninguém iria ver, apareceram agora ...
d- Que existem outras partes do rosto que podem ser valorados ...

Todas descobertas que o câncer me faz vivenciar !!!!

Sim, eu sei que tudo isso vai passar.

Sim, eu sei que eles (cabelos) irão crescer.
Mas os momentos e as vivências positivas e negativas, colhidas com a doença, essas meus amigos  - irão ficar.


Estar careca, desprovida da moldura do rosto, me faz uma pessoa melhor, pois tive que buscar internamente subsídios para me garantir sem esse atributo de vaidade e  eu encontrei essa "força" maravilhosa de encarar o mundo de frente e cabeça careca erguida.

 O bom humor, o rir de si mesmo ou da situação vivida, o ser positiva  e relevar o que nada acrescenta, tem me ajudado a superar os obstáculos surgidos na estrada da vida.

Com a queda dos cabelos, me tornei “diferente”. Homem careca é comum, mas mulher careca é um diferencial. E tenho aprendido e me divertido bastante com esse diferencial.

Lembro-me antes,  de quantas vezes eu fiquei olhando, ainda que disfarçadamente, alguém que aparecia no meu campo visual com jeito diferente: físico, roupa ...

Acredito que quando o cérebro identifica algo ou alguém fora do usual, damos uma parada com o intuito de explicar para a nossa mente o que de fato estamos identificando.

É esse “parar identificativo”  que me tem ensinado muito.

Vejam os exemplos:

Quando as crianças me olham é por pura curiosidade. E elas olham sem disfarçar, de maneira fixa e com indagações no olhar.

Os adolescentes são diferentes. Eles ignoram, fingem que não estão  vendo o que estão vendo, vêem através de você, não te enxergam...
 
Nos adultos há variação, uns agem como  as crianças outros como os adolescentes, mas a grande maioria olha, ora com encorajamento, pena, ora com medo e admiração ....


 Tem alguns que não controlam a curiosidade e indagam se é câncer?   Penso em dizer: " Não, Pedro Bó, é um novo modismo." ( O Pedro Bó identifica minha idade né?), porém sorrio e digo com educação: "São os efeitos da quimioterapia" . Sanada a dúvida, continuamos em frente... rsrsrs   

No final de abril eu estava no Big Lar, na fila da carne, quando um senhor de meia idade ficava a me olhar fixamente, quando tomou coragem me perguntou " é cancer?" Eu disse "que eram os efeitos", e ele replicou: "Morro de medo dessa doença, ela já matou muitos conhecidos e familiares meus." Eu percebi que ele não falou por maldade acerca da morte das pessoas, mas que fazer esse tipo de comentário a alguém que está com câncer é meio desumano.   

Outro dia, quando estava no aeroporto de Congonhas no setor de bagagem aguardando as malas, percebi que uma menininha de uns 06 anos, olhava fixamente para minha cabeça (eu estava de chapéu). Decidi brincar um pouco com ela e disse que meu cabelo havia caído porque eu não deixei minha mãe cuidar dele e nem pentea-lo direito. Imediatamente, a menininha arregalou os olhos e olhou para a mãe, que sorria disfarçadamente. Senti, pelo olhar da mãe, que ela me agradecia pois daquele dia em diante, não haveria mais choros e nem reclamações por parte da menininha quando ela (a mãe) fosse pentear aqueles longos cachos enrolados.  


Um fato interessante é que embora já tenha se passado mais de 60 dias que estou calva, ainda sinto vontade de pentear os cabelos. Em especial após me maquiar. Dá até comichão na mão.
 
Confesso que não sinto saudades da escova e da chapinha. E se posso dizer algo de bom acerca da quimioterapia é que não sou mais “escrava” da chapinha ou da depilação, visto ter caído todos os pêlos, com exceção da sobrancelha e cílios (resistiram).  
 
Estive em São Paulo há quase duas semanas e descobri que lá sou pessoa comum, mesmo completamente calva. Ninguém me olhava diferente, seja nas ruas ou no shopping. Acho que é a quantidade de pessoas diferentes e “alternativas” que existem por lá

Com a ausência da moldura do rosto, precisei encontrar uma forma de chamar atenção para ele (rosto). Comecei a me maquiar mais, valorizando os olhos e boca.

Faço uso do chapéu, boné ou lenço quando saio, mas aqui dentro fico com a careca exposta e Cuiabá é muito quente para ficar com o lenço ou boné dentro de casa, sendo uma das razões por eu não ter querido usar peruca.

Vou fazendo do limão uma limonada ...
 
E estou colocando mais açúcar na limonada, pois terei que fazer mais 03 sessões de quimioterapia após a cirurgia.
Já falei para as crianças: “Cabelo só o ano que vem.” O que importa agora é recuperar minha saúde, serenidade e paz de espírito.

Cabelos voltam a crescer ...
 E enquanto eles crescem estou aprendendo a arrumar meu coração !!!


Um comentário:

  1. É isso mesmo minha querida, arrume o coração, sempre! É a nossa essência que vem a tona. Além disso, você ficou bem charmosa carequinha. Talvez por ter realçado seus pontos fortes,talvez por estar ousando mais nos adereços - um brinco maior..., talvez por estar revelando uma Carla diferente, que se mostra mais inteira com uma fragilidade antes não revelada, não sei bem o que é... mas ficou bonita, especial! E, de chapéu... um charme só! Te amo! Beijos

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