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quinta-feira, 17 de maio de 2012

É vida que segue ...


É incrível como pequenas coisas me fazem refletir sobre a condição efêmera do Ser Humano.
Ao acordarmos, quase como reflexo, realizamos inúmeras atividades  sem nos atermos exatamente ao que estamos fazendo, ou seja, levantamos rapidamente da cama (quase pulando), vamos ao banheiro, usamos o vaso sanitário, fazemos nossa higiene pessoal (dentes e banho), trocamos de roupa, preparamos o café da manhã, ligamos a TV, lemos o jornal, pegamos a chave do carro, fazemos mentalmente uma lista de coisas a se realizar naquele dia em relação aos filhos, marido e trabalho, entramos no carro e vamos trabalhar ...
Lá continuamos como uma máquina a repetir outras atividades relacionadas ao serviço: ligamos computador, mexemos com a impressora, carimbo, grampeador, caminhamos pelos corredores falando ao celular, atendemos pessoas digitando no computador e assim vai. A lista é enorme e cada vez mais, somos levados a fazer duas ou mais coisas ao mesmo tempo.
Outro dia, estava assistindo na TV uma propaganda que tinha como mote o oferecimento de iogurte infantil, onde a criança não precisava PARAR  para bebê-lo(saborea-lo), bastava apertar a base desse “modelo” de iogurte que ele saia da caixinha feito picolé , podendo ser lambido pelas crianças, ou seja, vendia a ideia que a criança poderia pedalar, correr e saltar lambendo o iogurte e não precisava parar para realizar uma só atividade ... moral da história: “ Só os lentos precisam fazer uma atividade por vez e você estará em “vantagem” em relação a ele".
E assim a ideia é vendida.

Parece-me que somos impulsionados a fazer três ou quatro coisas ao mesmo tempo e ao final não saboreamos verdadeiramente nenhuma delas.

A pressão subliminarmente repassada pelo marketing é tão massificante, que começamos a nos achar “incompetentes” por só conseguirmos fazer uma coisa de cada vez!!!!!  

Assim, começamos a abusar do corpo e exigimos dele o que ele não pode oferecer, isso sem falar que o intoxicamos com comida rápida e não saudável, cigarro ou bebida.

E os dias se passam ...

Até que ... (e sempre tem um até que na vida) ficamos doentes.

Como um pisada brusca no freio do carro da vida, dirigida alucinadamente por nós mesmos, somos forçados a parar tudo.

Surpresos, percebemos com a parada forçada, que gastamos nossa energia vital em coisas não essenciais.

Mas será que temos que ficar doentes para darmos um “break” em nossa atribulada vida?
Penso que não!!!!!!
Não estou pregando o ócio pelo ócio (embora ele seja extremamente necessário às vezes), mas podemos viajar nessa jornada terrestre dentro de limites.

Acredito que quando a Vida nos chama a atenção mediante o acometimento de uma doença, Ela não está nos punindo, ao contrário, Ela está dizendo: “Eu te amo tanto, que ofereço outra chance.”
 Dando boca e voz a essa Vida, Ela falaria comigo da seguinte maneira:
 “ Então Carla, eu tive que te parar para você poder apreciar o que está deixando de lado. Isso não é um castigo, mas uma forma de faze-la entender, já que é tão “cabeçuda”!!!
Quando doentes, temos as nossas habilidades físicas momentaneamente restritas a parcos movimentos e dependemos, vez ou outra, de alguém para realizar atividades básicas, como trocar de roupa, tomar banho, nos enxugar após o banho ...

Tirando a dor, as restrições e o medo (faz parte do “pacote” da Vida), esse “momento especial” nos permite valorar a importância dos músculos, membros e da elasticidade fomentada por eles, enfim, aquilatamos nosso corpo, saúde e vida.

Entendemos que o simples ato de escovar os dentes e trocar de roupa, antes praticados roboticamente ao levantarmos da cama, exige certo esforço físico. E então, intuímos a dinâmica da vida, na realização de atividades simples e complexas.

Já estou no 7º procedimento cirúrgico (e espero que seja o último) e novamente sou amorosamente forçada a parar e reestruturar meu Ser.

No dia 11 de maio, ao acordar da cirurgia, abri meus olhos meio de soslaio como se para verificar se estava no lugar certo – entenda-se aqui planeta Terra. Não constatei a presença de seres etéreos ou com tridente na mão, percebi que estava viva e deitada na sala de recuperação do hospital.
Respiro aliviada.

Sou levada ao quarto do hospital e lá carinhosamente recebida  pelo meu marido e tia.

Sorrio, e sedada volto a dormir.

Acordo com enfermeiras entrando e saindo do quarto, aplicando medicamentos, medindo pressão, temperatura, oxigenação ...

A partir do 2º dia de resguardo, sou alçada à categoria dos que devem se exercitar ... em razão da possibilidade de embolia/trombose.

A enfermeira me leva ao banho e sinto então dor, advinda do simples ato de levantar da cama (os músculos do abdômen operado estão se queixando ...).

De pé, meio “tonta”, por conta dos medicamentos, caminho em direção ao banheiro, de forma lenta e sendo obrigada a “pensar” a cada passo antes de realiza-lo (sinto os músculos, ligamentos e órgãos - "Puxa, tenho tudo isso dentro de mim e lhes dei pouca atenção!!!!).

Trajando aquela camisola de hospital, desenhada propositalmente para nos deixar sem forma e personalidade (paciente não tem hierarquia, somos todos iguais) continuo a minha “jornada” para o banho.

Despida de roupas e da vergonha, estou defronte a uma desconhecida, que me ajuda a sentar em uma cadeira-vaso sanitário para poder tomar banho, pois as pernas não estão firmes o suficiente para aguentar o simples ato de me banhar.

Sinto-me fraca, contudo feliz por estar viva.

E começo a agradecer mentalmente pela cirurgia realizada e por estar ali viva.

Secam o meu corpo e escovo os dentes bem devagar, sentindo cada movimento da escova.

Volto ao quarto, coloco outra camisola e sou convidada pela fisioterapeuta a caminhar exercitando pelo corredor.

Saio meio ressabiada, olho de um lado e do outro e opto pelo caminho mais curto – um corredor de 20 metros, que antes poderia percorre-lo em segundos, mas que agora na categoria de “paciente” ele me parecia uma rua de maratona.

E lá vou eu, Carla, a maratonista do dia!!!! 

Ando lentamente ...  com o corpo encurvado pelo corte da cirurgia e empurrando o “cachorrinho”(é como os paulistas chamam o suporte para carregar soros, sonda e outros aparelhos essenciais para sobrevivência).

Um passo ... dois passos ... três passos ... curtos, trêmulos e vacilantes diante da fraqueza do corpo (dores locais, disfarçadas pelos remédios ingeridos e aplicados).

Percorro os 20 metros e retorno exausta e ofegante  ao quarto, me sentindo  cansada, mas satisfeita por ter completado a “meta” do dia.

De fato era a minha maratona.
No dia seguinte, a rotina se repete com alguns diferenciais: acordo, tomo banho sem a ajuda da cadeira-vaso para o banho. Estava progredindo na escala de melhora no hospital.

As dores continuam, porém me sinto mais forte e saio novamente para caminhar.
Agora repito o mesmo caminho, porém decido prolonga-lo optando para percorrer o caminho oposto – mais 30 metros.

Nossa, que orgulho, já andei 50 metros.

Cumpro a meta da fisioterapeuta e assim os dias vão se passando no hospital até eu estar apta a receber alta médica.

Recebida a alta, esqueci que estava operada e imediatamente “corri” para o banheiro a fim de tirar o camisolão, então o corpo reagiu e eu senti a restrição da cirurgia.

Paro, respiro profundamente e começo a repetir os movimentos  mais devagar, respeitando o meu organismo e condição física.

E hoje, sexto dia depois da cirurgia, caminho pela área de lazer do prédio em que estou hospedada em São Paulo. Ando com mais agilidade, os passos estão mais vigorosos, o corpo nem tão curvado e o ato de sentar e levantar está cada dia mais fácil de ser realizado.

Consigo tomar banho sozinha, trocar de roupa ...

E certo que atar o cordão dos sapatos, enxugar as costas e fazer pequenos afazeres domésticos ainda precisam ser realizados com o suporte e apoio de alguém, porém, pouco a pouco, a rotina volta a se estabelecer.
 "Rotina", "vida normal", palavras doces e agradáveis de se ouvir e viver, principalmente  quando se perde ainda que momentaneamente uma delas.

Além da restrição física, ser “paciente” nos obriga a depender de alguém ou “alguens”. O que é ótimo para desenvolver a humildade  e nos ensinar que precisamos do outro para vivermos em harmonia com o cosmo.

E como diz Chico Pinheiro no jornal Bom dia Brasil: “ É vida que segue ...” 


  




2 comentários:

  1. Seus relatos me fotalecem... Obrigada amiga... Obrigado senhor!! por me dar a Carla como amiga.. Te amo...

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  2. Eu é quem digo ... Obrigado Senhor por me dar Helen como amiga ... Sempre presente nos momentos importantes... Te amo ...

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