“ A gente todos os dias
arruma os cabelos: por que não o coração”
Provérbio Chinês.
Quando tive câncer em
2005 não fiz quimioterapia em razão das complicações cirúrgicas ocorridas
à época, sendo assim, agora é a primeira
vez que sofro as consequências “naturais” da quimioterapia, como a queda dos
cabelos.
Acredito que a calvice atinja tanto homens quanto mulheres, visto afetar a identidade, contudo penso
que nós mulheres sofremos mais emocionalmente, até porque o cabelo é tido como instrumento
de feminilidade e sedução.
Quem me conhece, sabe que
os meus nunca foram nenhuma “Brastemp” e que só ultimamente tinha-os domado com
“chapinha”, contudo o ato de raspar os cabelos diante da queda persistente,
mexeu com o meu interior.
Inicialmente, comecei a
perceber quantidade considerável de cabelos no chão e travesseiros ou aonde
mais eu encostasse. Depois, o couro cabeludo começou a ficar dolorido e o
cabelo começou a cair em “pencas”.
Estava ficando meio mórbido
e eu resolvi corta-lo bem rente.
Fiz aquela farra com as
crianças, inserindo-as no evento “corte de cabelo da mamãe” no intuito não
ficarem chocadas.
Quando achei que cortando
os cabelos na “altura” nº 03 da máquina de raspar cabelos fosse suficiente,
constatei que os cabelos continuaram a cair, deixando espaços vazios entre um
tufo e outro.
Raspei-os então na
navalha (eu não, o cabeleireiro do meu marido).
É uma sensação difícil de
descrever, o fato de você se olhar no espelho e não ter mais o cabelo.
E tudo
de maneira rápida, sem poder se “acostumar” com a ideia.
Foi assim que eu descobri:
a -Que não sou
cabeçuda ...
b- Que o formato da minha cabeça é bonito
... (sem falsa modéstia)
c- Que as casquinhas de catapora que tirei quando criança, achando que nunca ninguém iria ver, apareceram agora ...
Todas descobertas que o câncer
me faz vivenciar !!!!
Sim, eu sei que eles (cabelos)
irão crescer.
Mas os momentos e as vivências
positivas e negativas, colhidas com a doença, essas meus amigos - irão ficar.
Estar careca, desprovida da moldura do rosto, me faz uma pessoa melhor, pois tive que buscar internamente subsídios para me garantir sem esse atributo de vaidade e eu encontrei essa "força" maravilhosa de encarar o mundo de frente e cabeça careca erguida.
Com a queda dos cabelos, me
tornei “diferente”. Homem careca é comum, mas mulher careca é um diferencial. E tenho aprendido e me divertido bastante com esse diferencial.
Lembro-me antes, de quantas
vezes eu fiquei olhando, ainda que disfarçadamente, alguém que aparecia no meu
campo visual com jeito diferente: físico, roupa ...
Acredito que quando o cérebro
identifica algo ou alguém fora do usual, damos uma parada com o intuito de
explicar para a nossa mente o que de fato estamos identificando.
É esse “parar
identificativo” que me tem ensinado
muito.
Vejam os exemplos:
Quando as crianças me olham é
por pura curiosidade. E elas olham sem disfarçar, de maneira fixa e com indagações
no olhar.
Os adolescentes são
diferentes. Eles ignoram, fingem que não estão vendo o que estão vendo, vêem através de você,
não te enxergam...
Nos adultos há variação,
uns agem como as crianças outros como os
adolescentes, mas a grande maioria olha, ora com encorajamento, pena, ora com
medo e admiração ....
Tem alguns que não controlam a curiosidade e indagam se é câncer? Penso em dizer: " Não, Pedro Bó, é um novo modismo." ( O Pedro Bó identifica minha idade né?), porém sorrio e digo com educação: "São os efeitos da quimioterapia" . Sanada a dúvida, continuamos em frente... rsrsrs
Outro dia, quando estava
no aeroporto de Congonhas no setor de bagagem aguardando as malas, percebi que
uma menininha de uns 06 anos, olhava fixamente para minha cabeça (eu estava de
chapéu). Decidi brincar um pouco com ela e disse que meu cabelo havia caído
porque eu não deixei minha mãe cuidar dele e nem pentea-lo direito. Imediatamente, a
menininha arregalou os olhos e olhou para a mãe, que sorria disfarçadamente. Senti,
pelo olhar da mãe, que ela me agradecia pois daquele dia em diante, não haveria
mais choros e nem reclamações por parte da menininha quando ela (a mãe) fosse
pentear aqueles longos cachos enrolados.
Um fato interessante é
que embora já tenha se passado mais de 60 dias que estou calva, ainda sinto
vontade de pentear os cabelos. Em especial após me maquiar. Dá até comichão na
mão.
Confesso que não sinto
saudades da escova e da chapinha. E se posso dizer algo de bom acerca da
quimioterapia é que não sou mais “escrava” da chapinha ou da depilação, visto ter
caído todos os pêlos, com exceção da sobrancelha e cílios (resistiram).
Estive em São Paulo há quase
duas semanas e descobri que lá sou pessoa comum, mesmo completamente calva. Ninguém
me olhava diferente, seja nas ruas ou no shopping. Acho que é a quantidade de pessoas
diferentes e “alternativas” que existem por lá
Com a ausência da moldura
do rosto, precisei encontrar uma forma de chamar atenção para ele (rosto). Comecei
a me maquiar mais, valorizando os olhos e boca.
Faço uso do chapéu, boné
ou lenço quando saio, mas aqui dentro fico com a careca exposta e Cuiabá
é muito quente para ficar com o lenço ou boné dentro de casa, sendo uma das razões
por eu não ter querido usar peruca.
Vou fazendo do limão uma
limonada ...
E estou colocando mais açúcar
na limonada, pois terei que fazer mais 03 sessões de quimioterapia após a
cirurgia.
Já falei para as crianças:
“Cabelo só o ano que vem.” O que importa agora é recuperar minha saúde, serenidade
e paz de espírito.
Cabelos voltam a crescer
...
E enquanto eles crescem estou aprendendo a arrumar
meu coração !!!
É isso mesmo minha querida, arrume o coração, sempre! É a nossa essência que vem a tona. Além disso, você ficou bem charmosa carequinha. Talvez por ter realçado seus pontos fortes,talvez por estar ousando mais nos adereços - um brinco maior..., talvez por estar revelando uma Carla diferente, que se mostra mais inteira com uma fragilidade antes não revelada, não sei bem o que é... mas ficou bonita, especial! E, de chapéu... um charme só! Te amo! Beijos
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