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quinta-feira, 15 de março de 2012

Vida de gado ... Povo marcado ...




Tenho utilizado este espaço, ora para saudar, ora para expor uma experiência, buscando dialogar comigo mesmo e/ou com os que acompanham o blog.

 Mas, hoje venho fazer um desabafo.

 Penso que estar doente nos coloca num patamar mais aguçado de sensibilidade e até vulnerabilidade diante do sistema BRUTO e ESTÉRIL do mundo que nos rodeia.

Antes de ser delegada de polícia, eu trabalhei por 10 anos dando aulas inglês no CCAA – escola de língua particular.


O ambiente de trabalho fornecido pelo empregador era moderno e agradável, com salas amplas e limpas, ar condicionado, cadeiras para trabalhar confortáveis e todo o material necessário para desenvolver minhas atribuições de professora.
 

Concluída a Faculdade de Direito (UFMT) e desejando crescer profissionalmente, passei no concurso público para a recém criada assessoria jurídica da Secretaria Municipal de Saúde e lá trabalhei por 01 ano como advogada, até tomar posse como Delegada de Polícia.
 

A Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá – na época FUSC - foi minha primeira experiência real no serviço público.


A Assessoria Jurídica era recém-criada e nós (eu e mais dois advogados) tínhamos que fazê-la funcionar.


 Até então, a Secretaria Municipal de Saúde dependia da Procuradoria do Município para elaborar pareceres, manifestações, consultas, legalidade em processos licitatórios, etc...


Assim que tomei posse, fui ao prédio localizado na rua Pedro Celestino e lá me apresentei ao setor de RH.


Após checarem documentos e demais procedimentos administrativos de praxe, me conduziram por um labirinto de corredores desencontrados até chegar a Sala da Assessoria.



O espaço disponibilizado era um arremedo de qualquer coisa ...


Uma junção de cacarecos velhos cedidos por outros departamentos ao NOVO setor da Secretaria Municipal.

De cara percebi, que o gestor público nada havia planejado, simplesmente criou os cargos, realizou o concurso e o “resto a gente se ajeita”!!!!


Espaço indigno, divisórias corroídos de traças, móveis emprestados de outros setores, livros jurídicos do tempo do onça ...
 

Vamos lá, serviço público é assim mesmo ... As pessoas tentavam incentivar !!!

INCENTIVAR !!!!

Pouco a pouco, eu e meus colegas fomos modificando o ambiente, tentando dar aspecto digno, humano e mais receptivo.


Depois de quase 06 meses conseguimos trocar as divisórias, compramos com o dinheiro do nosso “bolso” alguns livros essenciais, fizemos “amizade” com outros servidores e conseguimos móveis menos sucateados.

Enfim, conseguimos a passos de tartaruga nos impor junto aos técnicos e coordenadores da saúde, que lá nos procurava para “auxílio” jurídico.


Não sei se a batalha foi ganha e se a estrutura física atual é mais digna e melhor, pois sai de lá há 15 anos.


Mas, aquele primeiro dia de trabalho no serviço público   (divisórias corroídas pelas traças), tá gravado até hoje em minha memória ...  



Jovem, idealista, não pleiteava luxo, sofás caros, lustres e tapetes vermelhos, mas o mínimo de condição laboral a fim de com dignidade e saúde (longe de traças, fungos e mofos) exercer minha a função a qual estava sendo remunerada.


Os anos passaram (15 anos) e não vi muita diferença na polícia.



E a história se repete, repete, repete ...

As estruturas para atendimento ao público e também às internas funcionam graças ao empenho, a boa vontade e comprometimento de alguns servidores.


O pior é que nós mesmos (eu) nos acostumamos com o SISTEMA e começamos a acreditar que essa é maneira da máquina funcionar.


Com o tempo, cansados começamos a perder a nossa indignação ...  
 

E nos pegamos às vezes a repetir aos servidores mais novos “Que serviço público é assim mesmo ...”


Ontem, por força da circunstância, tive que ir a uma repartição pública.


E já me adianto aos curiosos que não foi nenhum prédio da Segurança Pública.  


Meus amigos, aquilo não fez bem ...

Ou melhor, me fez um “bem” sim, pois senti novamente brotar aquele espírito inquisidor, que achava estar apagado com o bailar dos anos.   



Entrei naquele prédio público, já meio decadente, funcionando no apêndice de outro órgão e aguardei pacientemente ser chamada.
 

Enquanto, esperava o minha vez, olhei ao meu redor e passei a analisar as demais pessoas que ali também estavam com o mesmo fim.



Eramos pessoas portadoras de alguma doença. Uma senhora de muleta, outras com idade já avançada. O que possuíamos em comum era nos trejeitos da expressão facial, um olhar de  “descrédito”, insatisfação, um de quê de subcondição.

Estávamos todos no mesmo “barco”, por motivos diversos, mas em busca do mesmo fim - aguardar o profissional responsável  “Deferir” ou “Indeferir’ o pedido.



Após 40 minutos de espera, fui conduzida por uma simpática servidora a uma sala, onde uma pessoa sentada mal levantou a cabeça ao me ver entrar.


Olhou fixamente aos papéis que lhe foram entregues, perguntou algo a servidora e passou a carimbar e assinar as vias ...

Não recebi um “Olá!!”, ou “ Boa Tarde” !!!

O máximo que o profissional conseguiu ao final do trâmite foi fazer um sinal com a cabeça de “pode sair e acompanhar a servidora, que a minha parte já acabou ...”

O movimento foi tão acanhado que ele teve que repetir novamente, pois eu não havia entendido !!! rsrsrssrsrsr ...

Sai de lá estupefata, havia algo que pulsava dentro de mim, mas não consegui identificar imediatamente.
Hoje, às 5:00 horas da manhã, abri e olhos e solucionei o “mistério” da inquietação.

Pensei: “ Ei, eu não sou gado ...” , “Olhe para mim”. -“Sou gente”. - “Não me ponha no brete ...”, “ Eu não sou número nem estatística.”
 
Gente, me senti despersonalizada !!!



Igual a uma das ovelhas da foto acima.


E o pior, é imaginar quantas vezes devo ter mecanicamente realizado minha função, igual a um robô, "apertando" - metaforicamente falando (rsrsrsr) as peças (humanas) que me rodeavam no ambiente profissional.  



Como podemos deixar que as nossas obrigações rotineiras, sejam elas na profissão ou com a família, possam retirar a nossa capacidade humana de conectarmos uns com os outros.


Essa interação, seja no serviço público ou no privado, nos aproxima e facilita a nossa comunicação e até cooperação diante de uma dificuldade ou ponto em comum.


Assim, ouso discordar da música de Zé Ramalho, quando ele canta: Oh, vida de gado ...
           Povo marcado ...
           Povo feliz ...  



Essa felicidade só é cabível, quando ignoramos a nossa condição humana.  




Vamos lapidar o nosso espírito !!!





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